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APÊNDICES PARA NOSSA DISSERTAÇÃO A REDESCOBERTA DA GEOGRAFIA POR ECONOMISTAS (2011)
Paul Sutermeister1
Apêndice A - Darwin contra o determinismo geográfico: esboço2 Referimo-nos ao seguinte trecho de nossa dissertação:
A biologia joga, de certa maneira, um papel importante no nosso tema; os neodarwinistas Richard Dawkins (HAMILTON, 2003) e Jared Diamond (GALLUP; GAVIRIA; LORA, 2005, p. 15) são dois nomes que aparecem em discursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Como dizem os autores de Geografia é destino?, “a geografia representa para o desenvolvimento das sociedades o que a genética representa para o desenvolvimento dos seres vivos” (ibidem, p. 17). Vimos acima que Joseph Schumpeter (referência para HAUSMANN, 2001) faz alusão à biologia na sua definição da destruição criadora (SCHUMPETER 1961, p.106). Jeffrey Sachs (2005, p. 104-119) criou, por inspiração de sua esposa que é pediatra, o termo “economia clínica” para designar uma economia do desenvolvimento que, atravps de um “diagnóstico diferencial”, serviria para acabar com a pobreza. O diagnóstico se inspira da biologia, o remédio seria a mão invisível de Adam Smith. Mas a mão invisível de Adam Smith não e igual à mão invisível de Charles Darwin, referência principal da biologia. Mais basicamente, “progresso” no sentido hegeliano não faz sentido em termos darwinianos; como diz Richard Dawkins (1979, p. 22): por “mais que desejemos acreditar diferentemente, o amor e o bem-estar universais da espécie como um todo são conceitos que simplesmente não têm sentido na evolução”.
Uma noção central para os autores de Geografia é destino? (GALLUP; GAVIRIA; LORA, 2005) p “desenvolvimento”. “Desenvolvimento” representa a idpia de um “movimento em direção ao melhor” com “significado otimista” e “ligado ao conceito de progresso”, cujo “sinônimo mais próximo p evolução”, termo “mais freqüentemente usado para indicar o D[esenvolvimento] biológico ou um D[esenvolvimento] cósmico...”; termo que p uma das categorias fundamentais da filosofia de Hegel etc. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 284). Vimos acima que para Gallup, Gaviria e Lora (2005), e ao menos para o “líder da redescoberta da geografia” Jared Diamond (2009; GALLUP, GAVIRIA, LORA, 2005, p. 15), a “biologia” também é um termo chave (ibidem, p. 17-18). Não há nada que nos possa impedir de olhar para Darwin (e, deste modo, para Foucault, como veremos apenas brevemente), a fim de lançar nova luz sobre argumentos de Jeffrey Sachs e, sobretudo, David Landes (os “efeitos simples e diretos” em LANDES, 2003, p. 4-6) acerca de relações diretas do clima para o homem, idéias emprestadas de Ellsworth Huntington (1915) e outros “deterministas” do começo do século XX.
Em Darwin e Foucault: genealogia e história na era da biologia, o historiador suíço Philipp Sarasin (2009) tenta mesclar as teorias de Charles Darwin e de Michel Foucault; ele diz que Foucault descende epistemologicamente de Darwin.3 Tanto Darwin como Foucault questionam a distinção entre natureza e cultura assim como alegadas naturezas das coisas: tudo se liquefaz sob o olhar genealógico deles, de modo que as coisas perdem sua identidade e seu ser; a idéia de uma ordem estável da natureza perde seu sentido; ambos questionam assim certezas do biologismo e do culturalismo; acontece que Darwin entende, de forma paradoxal, a natureza como histórica per se, enquanto que Foucault enfraquece a barreira entre a natureza e a cultura; Darwin introduz mecanismos culturais nos processos de seleção biológicas, e Foucault, como mostra Sarasin, baseou seu pensamento anti-culturalista numa compreensão minuciosa de Darwin, quase sem citá-lo diretamente, mas indiretamente através de Nietzsche, por sua vez uma espécie de darwiniano (ibidem, trechos da capa do livro).
Darwin estaria propondo “um rompimento completo com o essencialismo” (BUENO, 2008, p. 6); ele “sugere que um processo materialista e temporal, um conjunto de passos sucessivos e sem propósito, pode, e efetivamente produz organismos que exibem algo que parece ser mais que apenas regularidade, algo que parece um projeto intencional” (ibidem). O biólogo evolucionista Richard Lewontin afirma que o rompimento com o essencialismo “p a principal mudança que o darwinismo introduz na biologia” (ibidem). Nas palavras de Lewontin (1984, p. 4, apud BUENO 2008, p. 6), a natureza essencial da revolução darwiniana não é nem a introdução do evolucionismo como uma visão de mundo (já que historicamente este não é o caso), nem a ênfase na seleção natural como a principal força na evolução (visto que empiricamente este pode não ser o caso), mas sim a substituição de uma visão metafísica da variação entre os organismos por uma visão materialista.4
Assim, uma leitura minuciosa da Origem das espécies de Darwin (2002) deveria mostrar-nos que não há influência direta do meio sobre a natureza dos organismos; em vez disso, o determinante da “história” p a seleção natural. Pois, segundo Darwin, o estar-no-mundo de um organismo, sua estrutura corporal e psíquica, seus instintos (qualidades mentais hereditárias), em vez de depender de condições não-vivas (clima etc.), depende da presença de outros organismos que lhe servem de alimento, que o destroem ou que competem com ele (DARWIN 2002, p. 159). (Recomenda-se a leitura de: STODDART, 1966; REGNER, 2001; CAPONI, 2006; SCIENTIAE STUDIA; GERALDINO, 2011.)
Como revela Charles Darwin na primeira parte do capítulo XI sobre a distribuição geográfica das esppcies, numa seção intitulada “A distribuição [dos seres organizados sobre a superfície do globo] não pode ser explicada por diferenças nas condições físicas” (ibidem, p. 274): “nem a semelhança, nem a dessemelhança entre os habitantes das diversas regiões podem ser explicadas por suas condições físicas, inclusive pelo clima.” Pois há um “profundo vínculo orgânico que prevalece através do espaço e do tempo, sobre as mesmas áreas terrestres e aquáticas, independente de suas condições físicas” (ibidem). A seguinte citação de Darwin representa uma das manifestações mais claras na Origem das espécies contra “influências diretas”. Pode-se, compreender melhor o curso provável da seleção natural examinando o caso de uma região submetida a alguma mudança física - quanto ao clima, por exemplo. Os números proporcionais de seus habitantes alterar-se-iam quase imediatamente, e algumas espécies até poderiam vir a extinguir-se. Podemos concluir, pelo que vimos acerca da maneira íntima e complexa com que se inter-relacionam os habitantes de determinada região, que qualquer alteração nas proporções numéricas de alguns desses habitantes iria afetar os demais em grau muito mais considerável do que a própria mudança climática em si. (ibidem, p. 94-95)
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1 Mestrando em Geografia Humana na Universidade de São Paulo
2 Contém longos trechos de nosso artigo ruim Darwin contra o determinismo geográfico: esboço da escassa herança darwiniana no pensamento geográfico (2009).
3 Em A situação de Cuvier na história da biologia, Foucault (2001) elogia Darwin como geneálogo. Sobre a influência de Darwin sobre Foucault leia-se também Atterton (1994), Birken (1989), Spolsky (2002) (referências tidas de: SARASIN 2009). A relação genealógica entre Darwin e Foucault pode surpreender; mencione-se que Paul Veyne (2009), ótimo conhecedor das influências intelectuais que agiram sobre Foucault ainda não menciona a influência de Darwin (agradecemos ao nosso orientador, Prof. Dr. José William Vesentini, pelo comentario pessoal).
4 Agradecemos ao nosso orientador pelo seguinte comentário pessoal: O conceito de “essencialismo” p tradicional na filosofia. Essencialismo p a doutrina que crê numa “essência” dos fenômenos, que seria contrária à “aparência” e representaria a “verdade” desse ser. Platão, Hegel e Marx foram todos eles essencialistas. Essencialismo é acreditar numa “essência” dos fenômenos (por exemplo, do capitalismo: o valor e a mais valia, etc.; ou então da democracia ou do estado) e não perceber que são sempre formas que variam com o tempo, que se transformam e deixam de ser o que eram em outro período. Mais ainda, o não essencialismo, que caracteriza a ciência moderna segundo Popper, não crê em nenhuma forma de verdade ou de “essência” dos fatos ou fenômenos, pois tudo p provisório, toda teoria é adequada apenas a um momento.
- Quote paper
- Paul Sutermeister (Author), 2011, Darwin contra o determinismo geográfico - A América Latina em 'A cultura importa', Munich, GRIN Verlag, https://www.grin.com/document/173514
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