A interrogação filosofica no pensamento de Hegel


Essay, 2012

29 Seiten


Leseprobe


Introdução

A filosofia, ao contrário das demais ciências, não se ocupa de explorar e descobrir novos objetos de estudo ou novas ontologias regionais, o seu exercício é um constante rememorar dos problemas e das soluções que a estes foram legados na tradição para, a partir destes mesmos problemas e respostas já levados a termo, reiniciar, tal qual Penélope, a sua aventura diária.

O objetivo central deste paper é tematizar acerca da natureza da reflexão filosófica estabelecendo e, linhas gerais, a interrogação hegeliana acerca do estatuto próprio da filosofia, perquirindo a organização do que e do como se constitui a atividade filosófica, tendo como objetivo principal demarcar o caminho que conduz à reflexão filosófica em sua estruturação até a sua forma especulativa de abordagem[1]. Ao término espera-se demonstrar da atualidade de uma concepção especulativa para a filosofia.

Afirmar que a filosofia não se ocupa de descobrir coisas novas, não significa, em momento algum, que a filosofia seja o exercício do pensar sobre formas mortas ou acontecimentos passados que apenas à memória e aos livros de história estariam afeitos. A afirmação de que o filósofo não se preocupa com a criação do novo, reside exatamente naquele estatuto que distingue precisamente a filosofia como ciência das demais disciplinas científicas seja as do espírito ou as da natureza.

Em grande síntese, o elemento que distingue a forma do pensar filosófico, enquanto exercício rigoroso de articulação de problemas e categorias específicas, segundo o manejo de um método próprio e a atividade singular das disciplinas científicas do espírito e da natureza, reside na questão que se coloca à filosofia em geral, e ao filósofo em particular, de que, em sua atividade, seus objetos não podem ser descobertos e autonomizados pelo exercício de seu próprio mister, posto que a sua tarefa reside apenas no pensar e somente nisto. Neste sentido, a filosofia possui a particular singularidade de fazer do seu objeto de estudo um não-objeto, visto que, na pesquisa filosófica, o seu objeto – o pensar - é também o próprio sujeito da atividade.

Nas ciências naturais, a descoberta de novos objetos e campos hermenêuticos é uma condição de sua existência, a busca por novas fronteiras objetuais retira-lhes o perigo da estagnação do conhecimento científico e da cessação do progresso da ciência. Neste particular, pensemos, a título de exemplo, no caminho que leva de Newton a Max Planc e encontraremos um bom panorama desta evolução e descoberta de novos objetos a que estamos aludindo. Tal caminho, da ciência em geral e da ciência física em particular, conduz à aparição de uma pletora de novos objetos de toda a ordem, tais como: físicos, matemáticos, cosmológicos etc, resultantes da atividade de descoberta científica. Objetos que vêm ao mundo com existencialidades próprias que os distinguem e até mesmo opõem-nos entre si[2].

Neste exercício de descoberta do novo pelas ciências, não é de estranhar-se que se possam exigir métodos distintos para o acesso de cada uma destas “novas ontologias” descobertas, sem que, com isso, se instaure uma contradição no corpo destes mesmos ramos do saber.

Se a ciência, em sentido amplo,[3] elabora o seu mister sobre os pilares da observação, experimentação, construção simbólica e transmissão do conhecimento, e pelas vias da racionalização constitui estratos, os quais podem dividir-se, num grosseiro corte explicativo, em gnosiológico, porque é, normativo, porque deve ser sempre assim; epistemológico, porque se é assim, intencional, porque alguns fazem assim, estratos que dão conta da quase totalidade das disciplinas científicas da atualidade, ao contrário, a filosofia é a reflexão e a fundamentação daqueles modos reflexivos dispersos numa unidade.

Paradoxalmente, é a partir da reflexão e dos seus modos de efetivação num tempo devido e segundo um corte prévio que a ciência dispersa-se. O cientista é o protagonista do novo e das descobertas, e o filósofo, a que ele se propõe e como? Consideremos a título de exemplo as diferentes formas de construção do saber na matemática e na história! Contudo, na filosofia é exatamente o contrário, pois a reflexão filosófica é a unidade e a síntese fundacional inseparável do filosofar e de sua tradição.

Além disso, dentro deste esclarecimento que conduz do entendimento ao positivo racional, colocaremos as bases nas quais se movimenta o discurso filosófico hegeliano, auxiliando a compreensão da questão fundamental do pensamento especulativo e de seu modo de estrutura e compreensão.

1. Objeto, meta e modos do filosofar

Em filosofia, já ponderamos brevemente em momento supra, este mesmo exercício de sua atividade específica e da busca pela sua não-estagnação, ao contrário da ciência, não resulta na criação de objetos, ou melhor, de novos objetos. Pelo atuar do filósofo, o que está em jogo não é a criação e o vir-a-ser de novos objetos, mas, antes, a apreensão do universal destes mesmos ob-jectos [ objekt e Gegenstand ] que se põem como limite ao conhecimento humano e, às vezes, mesmo se opõem, segundo marcos filosófico-históricos de seu tempo.

Traduzir o tempo em conceitos é a tarefa do filósofo. Se a filosofia, ou mesmo o filósofo, buscar a pretensão da criação do novo, digam-se, novos objetos para o seu atuar, se reduzirá o pensar universalíssimo da filosofia ao método científico de descoberta na empiria de novas determinações que se colocarão historicamente como falseáveis ou não.

A filosofia não descobre o novo, a sua atividade é sobre o pensar e, neste sentido, sempre sobre o mesmo conteúdo; assim sendo, o que difere, na filosofia, são as formas de abordagem deste mesmo conteúdo – o pensar – e os métodos que se utiliza ao ser abordado este conteúdo para a apreensão e a construção de seu sentido. Filosofia é a investigação e aspiração à alcançar os fundamentos do pensar e os limites da razão em suas mais diversas expressões. O filosofar é o saber que sabe, mas que deseja saber mais.

A ciência é limitada pelo seu não-saber e, por isso, ela é capaz de se impulsionar além de seus limites e fundar novos campos objetuais, o filosofar é, assim, o pensar o próprio limite, o não-saber que já é saber de algo e que, por isso, lhe impulsiona cada vez mais a si mesmo num aprofundamento sem limites.

Neste diapasão, é preciso esclarecer que, em filosofia, as formas de abordagem de um conteúdo podem ser distinguidas quanto aos resultados esperados em: aporéticas ou sistemáticas; e quanto ao estatuto lógico operativo em: entendimento ou formal, dialético ou negativamente racional e especulativo ou positivamente-racional; além disso, quanto aos métodos, eles podem ser os mais diversos, a exemplo: empirismo, idealismo, realismo, fenomenologia etc.

Dentro deste contexto preliminar, buscaremos refazer o caminho que conduz à atividade especulativa do pensar através da reconstituição dos passos que vão de uma abordagem aporética a uma sistemática, mediante o exercício do pensar em suas 3 (três) faces: a do entendimento, a dialética e a especulativa. Nosso caminho conduzir-se-á mais proximamente pela Wissenschaft der Logik e pela Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundriss e de Hegel, através de sua seção intitulada Conceito mais preciso e divisão da Lógica[4], de modo que a servir como um grande orientador metodológico dos níveis de leitura sobrepostos numa compreensão especulativa da filosofia .

A opção metodológica da atividade filosófica pode ser discutida sob um primeiro suposto referente à pretensão do próprio filosofar enquanto tal, sem menção ao método propriamente utilizado e aos problemas a que ele dirige-se. Tal opção metodológica prévia é o que distingue a atividade filosófica em aporética ou sistemática.

Em que consiste e reside tal distinção? Basicamente, tal distinção é concernente à atitude filosófica que se propõe a pensar problemas sem uma necessária articulação entre eles, nem entre estes a um telos, constituindo um modo filosófico notadamente problematizante - aporético, ou, ao contrário, a atividade filosófica pode direcionar-se ao exercício estruturado de coordenação e explicitação dos problemas através de uma diretriz sistemática, assim, estamos diante de uma postura global de filosofar.

Nesta primeira abordagem, temos dois modos prévios à própria atividade filosófica, mas que dela co-participam e que se definem basicamente pela tarefa de compreender a filosofia notadamente como a problematização de nosso conhecimento, ou, ao revés, como a unidade dos múltiplos conhecimentos problematizados em torno de um conceito vetor.

Na postura aporética, temos um filosofar problemático e sem telos; na sistemática, possuímos uma multiplicidade interconectada e destinada a um fim. Poderíamos, até mesmo, afirmar que uma postura aporética pode constituir-se ao modo sistemático, porém, tal conclusão dar-se-ia muito mais por um afrouxamento na noção de sistema, aproximando-o de uma unidade somativa das partes problematizadas que propriamente pela designação da aporia ao sistema.

Contudo, a atitude sistemática é demarcada, especificamente, por uma unidade de fim, em que o múltiplo problematizado e as partes que lhe compõe ordenam-se por uma ideia subjacente que lhes coordena finalisticamente.

Em sua atividade filosófica, a postura do filósofo, seja aporética ou sistemática, necessita de uma determinada concepção de estatuto lógico-operativo para regular a sua atividade e fazer-se como um princípio motor de orientação do exercício do pólo subjetivo da atividade filosofante em direção ao conhecido/conhecimento, entendido como pólo objetivo desta mesma atividade.

2. O percurso do pensar na filosofia hegeliana

Neste segundo momento de aproximação do modo específico do filosofar, o qual se pergunta pelos nexos motores da atividade intelectiva, importa demarcar que os momentos da interrogação filosófica do pensamento hegeliano – entendimento, dialético e positivo[5] - são tomados numa consideração lógica de análise da forma e do discurso, assim como do sentido por este engendrado.

E é este percurso que vai do entendimento como atividade lógico-formal à atividade especulativa do pensar, mediada pela atitude dialética, que iremos, agora, desenvolver como prolegômenos necessários à compreensão da constituição das estruturas lógicas da própria natureza do discurso e da interrogação hegeliana, em particular, e filosófica, em geral.

Desse modo, objetiva-se apresentar como as diversas posições adotadas pela reflexão filosófica, face ao mundo ou objetividade, ou em outras palavras, como as diversas opções metodológicas que Hegel identifica nos momentos anteriores da filosofia, são modos ou atributos da reflexão filosófica que, outrora, foram tomados desconectados entre si ou em seu isolamento, e que a Ciência da Lógica assume-os, tentando articulá-los numa unidade.

E é nesta nova compreensão destes atributos metodológicos do pensar que reside um ponto nodal para uma correta compreensão do discurso hegeliano, em específico, e o discurso filosófico, em geral, consistente na compreensão da realidade como uma unidade constituída de vários níveis de compreensão do discurso que não se excluem ou diluem entre si, mas que, preservando a sua diferença recíproca, incitam o filósofo à sua compreensão unitária.

É imperioso advertir que, em Hegel, e também no presente trabalho, a ordem da exposição dos modos lógico-operativos do pensar constitui-se do entendimento ao dialético e deste ao especulativo ou positivo-racional, mas, não obstante a ordem de apresentação, estes modos não estão estanques entre si, instituindo espacialidades lógicas próprias de per si.

Não existem três partes da lógica [ Die Logik ], ou três atividades do pensamento puro,[6] o lógico [ Das Logische ] não se divide em face da objetividade, mas, apenas ao se movimentar com e na objetividade, didaticamente se podem visualizar três diversos momentos que compõem uma mesma relação. Já em 1808, Hegel compreendia esta relação entre o lógico e a lógica como triádica[7].

Importa compreender a distinção, em Hegel, do lógico [ Das Logische ] e da lógica [ Die Logik ]. A lógica é a ciência na qual se apresentam em sua face estática as determinações do pensamento, estruturando-se em seu necessário caráter o âmbito normativo do pensar, dando-se regras. E o lógico é a atividade que anima a lógica, seu movimento imanente, que ao dar-se regras demonstra-se na objetividade do mundo.

Hegel apresenta-nos esta distinção nestes termos: “A lógica é, a saber, a ciência do puro conceito e da ideia abstrata. Natureza e espírito constituem a realidade da ideia, aquela como ser determinado exterior, este como sabendo-se a si mesmo”[8]. Se a lógica é o corpus que resulta da atividade normativa do pensar, em sua nota passiva, o próprio pensar, em sua inquieta atividade de se dar regras constitui o lógico, feição ativa desta mesma atividade do pensar. Hegel ressalta este caráter ativo do lógico afirmando que“[...] o lógico é a essência eternamente simples em si mesma”[9].

[...]


[1] Hegel, Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundriss e, v.8, § 82.

[2] Pense-se por exemplo, na quase oposição epistemológica em que vivem o movimento retilíneo uniforme e a constante de Max Planc!

[3] Penso aqui na ciência em seus 2 grandes troncos, as ciências ditas humanas ou do Espírito e as exatas ou da Natureza.

[4] Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundriss e, v.8, § 79-83, pp.168-180.

[5] Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundriss e v.8, § 79, onde, textualmente, Hegel afirma: “Das Logische hat der Forma nach drei Seiten: α) die abstrakte oder verständige, β) die dialektische oder negativ-vernünfttige, γ) die spekulative oder positiv-vernünftige,,

[6] Puro é o pensamento que é, não se subordina à realidade exterior, não no sentido de uma independência, mas no sentido próprio de uma não dependência, de um recíproca relação. É esta dificuldade posta pelo hegelianismo que coloca opositores e mesmo comentadores em grande dificuldade com o tratamento da Ciência da Lógica.

[7] Hegel, Philosophische Enzyklopädie für die Oberklasse 1808, v.4, § 12, p. 11. “Das Logische hat demnach drei Seiten: 1. die abstrakte oder verständige, 2. die dialektische oder negativ vernünftige, 3. die spekulative oder positiv vernünftige”.

[8] Hegel, Philosophische Enzyklopädie für die Oberklasse 1808, v.4, § 10, p. 10 (Trad.br, 17). “Die Logik ist nämlich die Wissenschaft der reinen Begriffe und der abstrakten Idee. Natur und Geist macht die Realität der Idee aus, jene als äußerliches Dasein, dieser als sich wissend”.

[9] Hegel, Philosophische Enzyklopädie für die Oberklasse 1808, v.4, § 10, p. 10 (Trad.br, 17), “[...] Oder das Logische ist das ewig einfache Wesen in sich selbst”.

Ende der Leseprobe aus 29 Seiten

Details

Titel
A interrogação filosofica no pensamento de Hegel
Autor
Jahr
2012
Seiten
29
Katalognummer
V205034
ISBN (eBook)
9783656316176
ISBN (Buch)
9783656317821
Dateigröße
654 KB
Sprache
Portugiesisch
Schlagworte
hegel
Arbeit zitieren
Danilo Vaz-Curado Ribeiro de Menezes Costa (Autor:in), 2012, A interrogação filosofica no pensamento de Hegel, München, GRIN Verlag, https://www.grin.com/document/205034

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