O presente trabalho tem como objetivo a apresentação do movimento de estruturação da produção em cadeias globais de valor (CGVs) e algumas das principais interpretações sobre o seu impacto no sentido da formulação de políticas voltadas ao desenvolvimento econômico.
Serão apresentadas as condições que permitiram o surgimento deste novo fenômeno, a metodologia desenvolvida para a sua análise pelos teóricos da Global Value Chain Iniciative e o problema estatístico que aparece como consequência dessa nova forma de estruturação da produção e do comércio internacional. Por último, serão apresentadas três diferentes visões sobre a natureza das políticas voltadas ao desenvolvimento econômico levando em consideração as CGVs.
O desdobramento da presença das CGVs em diversos setores gera implicações significativas em termos da organização do comércio exterior, da produção e do emprego em escala global. A análise das dinâmicas das CGV nos permite compreender a forma pela qual firmas, produtores e trabalhadores de países de diferentes estágios de desenvolvimento estão integrados na economia global.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I - CADEIAS GLOBAIS DE VALOR: O QUE SÃO
I.1 O conceito de Cadeias Globais de Valor
I.2 Condições que permitiram o processo de fragmentação produtiva
I.2.1 Estratégias Corporativas
I.2.2 Revol ução no Sistema de Transmissão de Informações
I.2.3 Avanços em Infraestrutura e Logística
I.2.4 Acordos Internacionais de Comércio de viés liberalizante
I.2.5 Evolução do papel de economias emergentes e em desenvolvimento
I.3 Globalização Produtiva e Desafios de Ordem Estatística.
1.3.1 As cadeias setoriais
I.3.2 CGVs e Estatísticas de Comércio: o case do iPhone.
CAPÍTULO II - METODOLOGIA DE ANÁLISE DAS CGVS
II.1 Dimensões de análise das Cadeias Globais de Valor segundo os teóricos da *OREDO Value Chain Initiative
II.1.1 Estrutura insumo-produto:.
II.1.2 Alcance Geográfico
II.1.3 Estrutura de Governança
II.1.3.1 Cadeias Buyer-driven e Producer-driven.
II.1.3.2 Mercado:
II.1.3.3 Modular:
II.1.3.4 Relacional:
II.1.3.5 Cativa
II.1.3.6 Hierárquica
II.1.3.7 Evolução industrial e mudanças na estrutura de governança: os casos da indústria de bicicletas, vestuário e vegetais frescos
II.1.4 Contexto institucional
II.1.5 Upgrading:
II.2 Contribuição das dimensões de análise de CGVs.
CAPÍTULO III - INSERÇÃO EM CGVS E POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
III.1 A Conexão entre CGVs e Desenvolvimento.
III.2 CGVs e Desenvolvimento: Visão da OMC e OCDE
III.3 CGVs e Desenvolvimento: Visão do South Centre
III.4 CGVs e Desenvolvimento: Visão de Taglioni e Winkler
III.4.1 Entrada em CGVs
III.4.2 Expansão e consolidação da participação nas CGVs.
III.4.3 Transformação da participação na CGV em desenvolvimento sustentável
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGRADECIMENTOS
À minha família, pelo apoio incondicional;
Ao meu querido tio Adolfo, pelo exemplo de superação;
Aos amigos do IE-UFRJ, pelos momentos inesquecíveis, o carinho e companheirismo construídos ao longo dos anos de graduação. Nossas intermináveis discussões políticas, econômicas e filosóficas em muito contribuíram não só para a minha formação como economista, mas principalmente como humana;
Aos saudosos colegas da Finep, empresa em que me encontrei como economista, pela excelente experiência de trabalho que me propiciaram. O aprendizado foi incomensurável. No trabalho, não há nada melhor do que se sentir parte de um grupo capaz de fazer a diferença por um país melhor.
Aos colegas da EY, pela recepção inesquecível, o apoio e compreensão quando precisei priorizar este projeto. Apesar do pouco tempo juntos, vocês me propiciaram uma experiência de trabalho muito melhor do que poderia imaginar.
Ao professor Victor Prochnik, por me orientar no processo de desenvolvimento deste trabalho.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo a apresentação do movimento de estruturação da produção em cadeias globais de valor (CGVs) e algumas das principais interpretações sobre o seu impacto no sentido da formulação de políticas voltadas ao desenvolvimento econômico.
Serão apresentadas as condições que permitiram o surgimento deste novo fenômeno, a metodologia desenvolvida para a sua análise pelos teóricos da Global Value Chain Iniciative e o problema estatístico que aparece como consequência dessa nova forma de estruturação da produção e do comércio internacional. Por último, serão apresentadas três diferentes visões sobre a natureza das políticas voltadas ao desenvolvimento econômico levando em consideração as CGVs.
O desdobramento da presença das CGVs em diversos setores gera implicações significativas em termos da organização do comércio exterior, da produção e do emprego em escala global. A análise das dinâmicas das CGV nos permite compreender a forma pela qual firmas, produtores e trabalhadores de países de diferentes estágios de desenvolvimento estão integrados na economia global.
SÍMBOLOS, ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENÇÕES
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FIGURAS
Figura 1: Transformações que impactaram a expansão das CGVs
Figura 2: Múltipla Contagem em CGVs
Figura 3: Proporção de serviços nas exportações brutas e em nas exportações de valor adicionado (escala em inglês: 0.5 corresponde a 0,5)
Figura 4: CGV do iPhone (2009)
Figura 5: Distribuição de Valor do iPhone,
Figura 6: Segmentos de uma Cadeia Global de Valor: Exemplo da Produção de Frutas e Vegetais
Figura 7: Os cinco tipos de Governança cm CGV
Figura 8: A curva do sorriso: estágios "bons" e "ruins" das CGVs
Figura 9: Fatia do Valor Adicionado Global gerado em CGVs (2009)
Figura 10: Do upgrading setorial para o funcional
TABELAS
Tabela 1: Dados de Exportação em CGV a partir do Valor Agregado por País
Tabela 2: Dados de Exportação Mundiais Brutos versus em Valor Agregado
Tabela 3: Determinantes-chave da estrutura de governança em CGVs
Tabela 4: Percentual de valor adicionado estrangeiro total nas exportações brutas
Tabela 5: Mudança Percentual na razão exportações sobre PIB; mudança percentual no valor adicionado doméstico nas exportações; participação nas CGVs
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, observamos um movimento sem precedentes na história econômica mundial: grandes empresas de todo o mundo passaram a distribuir suas atividades produtivas por todo o globo, ora a partir de Investimento Externo Direto (IED) ora a partir de contratos comerciais de fornecimento de insumos. Seu objetivo principal, em linhas gerais, pode ser definido como a busca por estruturas de custo otimizadas. Isso seria possível a partir do aproveitamento do que cada país apresenta de mais competitivo em termos da provisão de bens e serviços.
O presente trabalho tem como objetivo principal a apresentação deste novo paradigma industrial, que vem sendo documentado por diferentes literaturas há pelo menos 30 anos (Oliveira, 2014, p.15). O novo paradigma difere consideravelmente daquele vigente até os anos 1970, baseado na produção verticalmente integrada (Medeiros, 2008, p. 2). A nova estrutura organizacional da indústria já recebeu denominações diversas, como fragmentação internacional da produção, cadeias globais de valor, redes de produção globais, “corte em fatias” da cadeia de valor agregado, desintegração da produção e do comércio, “o grande desmembramento”, dentre outros (Blyde, 2014).
Por trás de todos esses conceitos, uma principal ideia em comum: o crescimento extraordinário do comércio internacional de partes e componentes. Nas últimas três décadas, o comércio de partes e componentes (isso é, de bens intermediários) tem crescido progressivamente. A partir de 2009, tornou-se o componente mais dinâmico do comércio internacional (Neves, 2014, p. 11). Por esse motivo, dizemos que a economia global estaria cada vez mais se estruturando em torno das cadeias globais de valor (CGVs), que são responsáveis por uma fatia cada vez maior do comércio, PIB e emprego globais.
As CGVs compreendem todo o conjunto de atividades que são necessárias para a provisão de determinado bem, desde a sua concepção até além do seu uso final1. O conceito se utiliza da divisão mais usual das fases de um processo produtivo tradicional: pesquisa e desenvolvimento, compra de insumos, produção, distribuição, marketing e serviços pós- venda. Essas atividades podem ser realizadas por uma única firma de estrutura verticalizada ou divididas entre firmas diferentes. O termo “global”, no conceito das CGVs, se refere à tendência de fragmentação destas atividades em diferentes localidades ao redor do globo enquanto a utilização do termo “valor” no lugar do conceito de cadeias produtivas se refere à ênfase nos diferenciais de valor agregado gerado em cada etapa da produção, tópico que será explorado no primeiro capítulo do presente trabalho.
Hoje, é difícil identificar um setor econômico que não esteja envolvido de alguma maneira com CGVs, que abarcam atividades relacionadas a commodities agrícolas e industriais, vestuário, eletrônicos, serviços de suporte, turismo, alimentos, bebidas, dentre tantos outros. Dada a crescente importância da análise das CGVS, se no começo o paradigma das CGVs era majoritariamente implementado com fins acadêmicos, hoje passou a ser utilizado por um conjunto de instituições internacionais de renome como o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), dentre outras (Gereffi, 2014, p. 434). Nas palavras de Gereffi:
“As CGVs são relevantes para o desenvolvimento econômico de várias maneiras, uma vez que a capacidade dos países para prosperar depende de sua participação na economia global, que é em grande parte uma história sobre o seu papel nas CGV.” (Gereffi, 2014, p.9. Tradução da autora).
O presente trabalho será estruturado da seguinte maneira: ao longo do primeiro capítulo, será apresentado o conceito de cadeias globais de valor; em seguida, serão expostas as principais condições que viabilizaram o crescimento do fenômeno nas CGVs, o que envolve: (i) a revolução no sistema de transmissão de informações; (ii) melhorias nas condições de infraestrutura e logística; (iii) estratégias corporativas voltadas à otimização de estruturas de custo e aumento da competitividade; (iv) a implementação acordos internacionais de comércio de viés liberalizante; (v) a evolução dos países emergentes. Por último, será apresentado um problema de ordem estatística correlato ao advento das CGVs: a superação da dupla contagem nos dados de comércio exterior, advinda da crescente importação de partes e componentes para posterior transformação e exportação.
No segundo capítulo, será apresentado o instrumental teórico desenvolvido por Gary Gereffi e os demais teóricos da Global Value Chain Iniciative2, voltado à análise das CGVs. Este novo paradigma requer ferramentas de análise que possibilitem a compreensão das formas pelas quais firmas, produtores e trabalhadores de países de diferentes estágios de desenvolvimento estão integrados na economia global, nos âmbitos do comércio exterior, produção e emprego. Por isso, foi desenvolvida, ao longo de anos, uma metodologia de análise que envolve fatores como o conjunto de atividades realizadas por trabalhadores na CGV; seu alcance geográfico; as condições de assimetria de poder e estrutura de coordenação (governança) das CGV pelas firmas líderes; os contextos institucionais em que a CGV está inserida; as estratégias de desenvolvimento (upgrading) adotadas por firmas e países que compõem a CGV em questão; etc.
No terceiro capítulo, será abordado o desafio estratégico advindo da formação de indústrias globais. Hoje, estratégias de desenvolvimento nacionais devem considerar a entrada em CGVs, e principalmente, o estágio em que o país se insere nas diferentes CGVs. A consideração deste fatores é essencial para a formulação de políticas industriais e comerciais voltadas ao desenvolvimento socioeconômico. Serão apresentadas três visões acerca de políticas de desenvolvimento voltadas às CGVs: uma de viés liberal, defendida pela OMC e pelos países da OCDE; outra de viés mais protecionista, defendida por teóricos do South Centre; por último, a visão de duas teóricas do Banco Mundial, que é voltada à análise das principais condições que afetam a competitividade dos países atuantes nas cadeias globais.
CAPÍTULO I - CADEIAS GLOBAIS DE VALOR: O QUE SÃO I.1 O conceito de Cadeias Globais de Valor
O contexto da globalização econômica trouxe consigo diversas novas formas de organização da produção. A partir das últimas décadas, formou-se uma tendência segundo a qual as atividades produtivas passam a ser cada vez mais realizadas em redes estabelecidas entre firmas em uma escala global. Esse novo movimento, comandado pelas grandes empresas multinacionais, consiste na fragmentação das diversas etapas do processo produtivo em diferentes países, com o objetivo central de aproveitar o que essas localidades podem ofertar de mais competitivo e, dessa maneira, otimizar estruturas de custos.
O conceito de Cadeias Globais de Valor (CGVs) tem sido amplamente utilizado para designar as sequências de valor adicionado que ocorrem ao longo das diferentes etapas da produção de determinado bem ou serviço em localidades diferentes do globo, envolvendo tanto fatores tangíveis, como as atividades manufatureiras, quanto intangíveis, como o design, concepção e marketing dos produtos.
A análise CGVs está centrada em sistemas de produção e distribuição que se encontram dispersos geograficamente em diferentes níveis: local, nacional, regional ou global. Nesse contexto, observa-se a formação de grandes redes de produção internacional, que interligam o comércio e investimento globais. Segundo a UNCTAD (2010, iii), as CGVs são atualmente responsáveis por cerca de 80% do comércio mundial (o que envolve tanto produtos finais quanto intermediários).
O movimento de globalização produtiva apresentou forte aceleração nos últimos 20 anos, e levou a significativas alterações na distribuição mundial da produção, trazendo novos desafios tanto para os países desenvolvidos quanto para aqueles em desenvolvimento. Conforme apontado por Neves (2014, p. 10), hoje, quase 60% do comércio internacional é composto por transações que envolvem produtos intermediários utilizados em processos produtivos. Desde 2009, as exportações de produtos intermediários vêm excedendo o valor combinado daquelas oriundas de bens finais e de capital. Naquele ano, o comércio de partes, componentes e acessórios foi o setor mais dinâmico do comércio internacional, representando 51% das exportações mundiais de mercadorias exclusive combustíveis (OMC, 2011, p.4).
Gene Grossman e Esteban Rossi-Hansberg, dois pesquisadores da Universidade de Princeton denominaram essa nova organização do comércio internacional um “sistema de comércio de valor adicionado” ou “comércio de tarefas”. O conceito de “comércio de tarefas” designa essa nova estrutura de indústria e comércio, em que firmas e países deixam de se especializar exclusivamente na produção e posterior exportação de bens finais nos quais possuem vantagens comparativas, passando executar atividades de agregação de valor de algum estágio da estrutura insumo-produto da CGV em questão (OMC, 2011, p. 4).
Os movimentos de fragmentação produtiva e de comercialização de tarefas elevaram o grau de complexidade nas relações econômicas estabelecidas entre países. Conforme observado por Oliveira (2014, p. 31), atualmente, essas relações envolvem fatores como: (i) o comércio de partes, componentes e acessórios; (ii) investimentos internacionais em plantas produtivas, treinamento, tecnologia e relações de negócios de longo prazo; (iii) uso de serviços de infraestrutura para coordenar a produção que está dispersa geograficamente, especialmente serviços de telecomunicações, internet, serviços de entrega rápida de encomendas, transporte de cargas aéreas, crédito para o comércio e serviços de despacho aduaneiro; (iv) fluxo transfronteiriço de conhecimentos, como propriedade intelectual formal e outras formas tácitas de trocas de know-how gerencial e de marketing.
Observa-se, portanto, que houve profundas mudanças estruturais na organização do comércio internacional contemporâneo, que se aceleraram a partir do movimento de organização de estruturas produtivas em Cadeias Globais de Valor. Esta nova tendência levou à necessidade de formulação de metodologias de análise centrada nas CGVs, que permitam o entendimento das interações ocorridas entre produtores e compradores globais e as influências que tais interações podem gerar no estabelecimento de estratégias locais de desenvolvimento. Gary Gereffi e os demais teóricos da Global Value Chain Iniciative desenvolveram um instrumental teórico voltado à análise das CGVs que não se restringe à esfera produtiva, envolvendo atividades como (i) design e concepção dos produtos; (ii) marketing; (iii) distribuição; e (iv) suporte ao consumidor final. Essa metodologia de análise aplicada às CGVs será apresentada no segundo capítulo do presente trabalho.
I.2 Condições que permitiram o processo de fragmentação produtiva
Nas últimas décadas, a expansão do comércio exterior tem sido mais elevada que a do produto mundial (Neves, 2014, p. 31). Diversos fatores contribuíram para o surgimento deste novo contexto, dentre eles o movimento de fragmentação das estruturas produtivas a nível mundial. Segundo a OMC (2011, p. 4), existe um conjunto de mudanças técnicas, políticas e institucionais que viabilizaram a expansão dessas redes de produção e comércio. Entre eles, se encontram uma série de melhorias tecnológicas, de infraestrutura e logística que tornaram as estratégias de fragmentação produtiva mais eficientes. Alguns desses fatores serão elencados abaixo.
I.2.1 Estratégias Corporativas
No âmbito das estratégias corporativas, pode-se falar de um acirramento das pressões competitivas a nível global, que influenciou a tomada de decisão voltada à otimização de estruturas de custos a partir de estratégias de offshoring3 e outsourcing4. Assim, existe uma tendência segundo a qual as empresas passam a se concentrar nas suas core-competencies, delegando tarefas menos importantes a fornecedores terceirizados. Isso acontece, por exemplo, com o outsourcing de serviços de suporte pós-venda, serviços de manutenção, etc.
A Índia, por exemplo, é tida como um dos principais destinos de offshoring e outsourcing em tecnologia da informação. Isso pode ser comprovado pelo fato de que, em 2013, um terço da força de trabalho global neste setor estava localizada neste país, conforme apontado por artigo de Phadnis e Sujit publicado na Times of India em 2013. A Accenture, companhia norte-americana de consultoria em TI e uma das quatro maiores do mundo do setor, possui uma força de trabalho na Índia que representa mais que o dobro do número de funcionários dos EUA (Times of India, 2013).
Algumas das grandes empresas que realizam offshoring de suas operações em TIC são a General Eletric, a Hewlett-Packard, IBM, American Express e Dell. Um detalhe importante da inserção da Índia nas CGVs a partir da provisão de serviços em tecnologia da informação é que, enquanto grande parte da demanda vem a partir de EMNs norte-americanas, esse movimento foi acompanhado pelo surgimento de empresas provedoras desse serviço de capital indiano, como a Wipro Technologies, Infosys Technologies e a Satyam Computer Services (Gereffi, 2007, p. 228).
Um dos fatores que atraem as empresas norte-americanas é o diferencial de salário: no ano de 2004, um programador indiano ganhava em média um nono do que um programador estadunidense. Um detalhe interessante é que, no plano doméstico, o mesmo programador ganha em média dezesseis vezes mais que o salário mínimo praticado na Índia, enquanto um americano receberia apenas duas vezes mais.
“Adotando-se a perspectiva de análise da cadeia global de valor, vê-se que, na Índia, muitos dos empregos ligados a softwares e a outras tecnologias da informação envolvem trabalho rotineiro em computadores de grande porte, utilizando tecnologia relativamente padronizada ou ultrapassada. Entretanto, a atração do subcontinente indiano faz todo o sentido para as companhias norte- americanas, que visualizam aí uma situação do tipo ‘ganha-ganha’, em termos econômicos”. (Gereffi, 2007, p. 228)
A implementação de estratégias de outsourcing e offshoring em atividades de importância secundária devido à busca por fornecedores mais eficientes como forma de resistência a pressões competitivas tem como protagonista as empresas multinacionais (EMNs). A obtenção de maior eficiência produtiva viria a partir da redução de custos de trabalho e exploração de economias de escala. A predominância de EMNs neste processo se dá devido aos altos custos de administração e coordenação advindos dessa estratégia, que são impeditivos para empresas menores (Medeiros, 2008, p.2).
I.2.2 Revolução no Sistema de Transmissão de Informações
Em primeiro lugar, pode-se falar de uma revolução no sistema de transmissão de informações, ocorrida com do advento da internet, das inovações em tecnologia da informação e dos avanços nas tecnologias de comunicação digital e móvel. Esses desenvolvimentos em tecnologia da informação e comunicação (TIC) tornaram a comunicação a nível internacional entre as partes interessadas das CGVs mais rápida, barata e confiável, permitindo a otimização da gestão logística e viabilizando o comércio eletrônico (Blyde, 2014 p. 39).
Além disso, conforme apontado por Medeiros (2008, p. 2), os avanços em TIC permitiram a chamada “modularização dos processos produtivos”. A modularização consiste na fabricação de produtos a partir da aquisição de partes e componentes cuja interface é normalizada, isto é, que não apresentam nenhuma incompatibilidade, o que elimina a necessidade de se realizar ajustes. Esse processo oferece vantagens pelos custos baixos e estabilidade da qualidade.
O desenvolvimento do sistema de transmissão de informações a nível global facilita a obtenção de informações estratégicas para as firmas atuantes em CGVs, sobre, por exemplo, a disponibilidade, qualidade e nível de preços de fornecedores a globais. Por outro lado, avanços em telecomunicações permitem o gerenciamento de cadeias produtivas e financeiras fragmentadas de forma eficiente pelas firmas líderes. Sendo assim, fica claro que um país deve ofertar condições adequadas de TIC para que seja considerado atraente para as firmas que fragmentam seus processos produtivos (Blyde, 2014, p. 39).
I.2.3 Avanços em Infraestrutura e Logística
Há diversos riscos relacionados à internacionalização da produção. Um deles é a possibilidade de sofrer com atrasos na entrega das partes e componentes que formam a cadeia produtiva, o que pode acabar gerando ineficiência no processo produtivo. Uma forma possível de enfrentar esse risco é através da manutenção de grandes estoques de mercadorias. Contudo, conforme afirmado por Blyde (2014, p. 38), as práticas mais modernas de estruturação de cadeias de produção se encontram cada vez mais baseadas na “produção enxuta”, que consiste na manutenção de níveis de estoques baixos com o objetivo de cortar custos inerentes à sua manutenção, manuseio e depreciação. Dessa maneira, as empresas que fragmentam seus processos produtivos tendem a instalar-se em países (ou buscar parceiros comerciais) que possuem boas condições de infraestrutura e logística, de forma a mitigar os riscos associados aos atrasos e os custos decorrentes da manutenção de grandes estoques.
Os seguintes fatores podem ser citados como avanços em infraestrutura e logística relevantes para a entrada em CGVs: (i) as melhorias nas condições de operação de portos e aeroportos (uma preocupação notória nos países emergentes nos últimos anos); (ii) a crescente utilização de contêineres e navios porta-contêineres de grande porte, que diminuem os custos de transporte relacionados à contratação de fornecedores longínquos de bens e serviços, tornando essa atividade muitas vezes mais barata que a produção doméstica para posterior exportação (Neves, 2014, p. 16).
Em paralelo, nos últimos anos, observamos o desenvolvimento de novas tecnologias e materiais de produção que reduzem o peso e volume dos produtos manufaturados, como a nanotecnologia. A utilização de materiais com essas características tem a vantagem de baratear os custos de transporte, o que contribui para a sua implementação em processos produtivos fragmentados.
I.2.4 Acordos Internacionais de Comércio de viés liberalizante
Outro importante fator para a expansão das CGVs foi a instituição de tratados comerciais de viés liberalizante, com a eliminação ou redução de barreiras tarifárias ou não- tarifárias, firmados tanto no sistema multilateral de comércio quanto através de acordos regionais, bilaterais ou unilaterais. Estes permitiram o crescente aumento do comércio de partes e componentes, fator essencial para a expansão da fragmentação da produção.
Exemplos de acordos que tiveram impacto fundamental na expansão da organização produtiva articulada na forma de CGVs são (i) o Acordo da OMC sobre Tecnologia da Informação, que trata de computadores, semi-condutores e outros produtos correlatos, alguns dos produtos intermediários responsáveis por uma fatia crescente do comércio internacional (OMC, 2011, p. 10); (ii) Os acordos de multilaterais e bilaterais firmados entre os países do leste e sudeste asiático, como o AFTA (ASEAN Free Trade Area), ACFTA (ASEAN-China Free Trade Area), AKFTA, (ASEAN-Korea Free Trade Area), dentre outros (Medeiros, 2008).
Os acordos firmados entre os ASEAN 4 (Indonésia, Filipinas, Malásia e Tailândia), Tigres Asiáticos (Hong Kong, Taiwan, Coréia do Sul e Cingapura) e países em estágios mais elevados de desenvolvimento industrial como Japão e China foram fundamentais para a evolução do processo de globalização produtiva articulada na forma de CGVs, pois permitiram a formação de uma região dinâmica e articulada de comércio e investimentos no Leste e Sudeste Asiático, que tornou-se a localidade em que o processo de fragmentação produtiva atingiu o nível mais alto (Medeiros, 2008, p.1).
I.2.5 Evolução do papel de economias emergentes e em desenvolvimento
É importante ressaltar que o mero estabelecimento de acordos comerciais não garantiu por si só a inserção dos países do ASEAN-45 e Tigres Asiáticos6 nas CGVs. Houve IED em indústrias voltadas à exportação, realizados principalmente por firmas sul-coreanas, de Taiwan e Hong Kong nos países do ASEAN 4 e na China, além de política industrial voltada à expansão do mercado interno e à capacitação técnica e tecnológica; desenvolvimento de instituições; dentre outros (Medeiros, 2008, p. 11).
A formação de uma zona dinâmica de indústria e comércio na Ásia foi essencial para o desenvolvimento das CGVs, ao passo que a evolução dos países em desenvolvimento (PEDs), que cresceram economicamente, capacitaram sua mão de obra (MDO), desenvolveram sua institucionalidade, implementaram politicas industriais voltadas às CGVs, etc. foi fundamental para permitir que o fenômeno da fragmentação produtiva envolvesse países em estágios menos elevados de desenvolvimento industrial, como a região da Ásia Dinâmica citada anteriormente e os BRICS.
A figura a seguir sintetiza algumas das transformações que impactaram na expansão das CGVs e algumas consequências desse movimento:
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Figura 1: Transformações que impactaram a expansão das CGVs
Fonte: OMC e IDE-JETRO, 2011, p. 4.
I.3 Globalização Produtiva e Desafios de Ordem Estatística
1.3.1 As cadeias setoriais
A análise estatística de CGVs segue duas metodologias complementares. Por um lado, foram desenvolvidos sistemas estatísticos que integram matrizes insumo-produto nacionais com matrizes de comércio internacional. São modelos denominados Multi-Region InputOutput (MRIO). O conceito de MRIO é apresentado e discutido em Miller e Blair (2009). Assim como as matrizes insumo-produto nacionais, os MRIO têm uma organização por setor econômico e permitem a delimitação e análise de cadeias de valor setoriais.
Por outro lado, muitos estudiosos discutem cadeias globais de valor ao nível das firmas que as compõem. Estas “cadeias empresariais” permitem o estudo de atividades de P&D e marketing e de temas como a governança, por exemplo, cuja análise não é possível nas cadeias setoriais. Nesta monografia, a seção seguinte aborda as CGVs do ponto de vista setorial e o restante do trabalho foca em CGVs empresariais.
O contexto da globalização produtiva trouxe consigo um desafio estatístico para a atividade de mensuração de dados de comércio exterior: a superação da múltipla contagem advinda da importação de partes e componentes, sua transformação e posterior exportação dos produtos. Com a presença da múltipla contagem, a mera observância dos saldos dos balanços comerciais dos países tornou-se ineficiente para mensurar o impacto da fragmentação produtiva no comércio exterior.
A figura a seguir explica como se dá o processo de múltipla contagem em CGVs:
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Figura 2: Múltipla Contagem em CGVs
Fonte: Oliveira, 2014, p. 72. Reprodução da Autora
A partir da metodologia de cálculo de valor agregado, pode-se observar os seguintes fatos:
Tabela 1: Dados de Exportação em CGV a partir do Valor Agregado por País
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Fonte: Oliveira, 2014, p. 72. Reprodução da Autora
Através da análise dos dados acima, é possível perceber grande diferença entre a contabilização dos dados da forma tradicional - isso é através do montante de exportações brutas de um país - e da metodologia do valor agregado.
Partindo destas premissas, algumas iniciativas de desenvolvimento de novas metodologias de cálculo de dados de comércio exterior foram estruturadas. Uma delas é fruto de uma iniciativa conjunta da OMC e a OCDE: a base de dados Trade in Value Added (TiVA). O objetivo central dessa iniciativa é desenvolver uma metodologia de cálculo de dados de comércio exterior a partir do valor agregado por cada país - por isso, a metodologia vem sendo conhecida como “comércio em valor agregado” (Oliveira, 2014, p. 71).
Resumidamente, a tentativa dessa nova metodologia é neutralizar a múltipla contagem dos insumos, criando instrumental capaz de contabilizar de forma correta o montante de valor agregado gerado em cada etapa produtiva e descobrir a localidade em que as tarefas foram executadas tanto a nível de país quanto a nível de etapa de cadeia produtiva.
Segundo a UNCTAD (2010, iii), a utilização dessa nova metodologia permitiu realizar a estimativa de que, em 2010, aproximadamente 28% das exportações mundiais brutas - isto é, medidas da forma tradicional - consistiram em produtos importados para posterior transformação e exportação. Dessa maneira, do montante de US$19 trilhões de exportações mundiais brutas, US$5 trilhões eram provenientes de dupla contagem.
A tabela a seguir demonstra como a múltipla contagem impacta nos dados de exportações brutas mundiais:
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Fonte: Adaptado de Oliveira, 2014. Os dados são da base de dados TiVA (OCDE/OMC).
A metodologia da iniciativa TiVA é capaz de refletir a diferença entre as exportações brutas e importações no mesmo ramo e de outras linhas da matriz de insumo-produto. Assim, permite uma análise mais profunda dos padrões de comércio exterior, retratando-os de forma mais fidedigna.
Além da Base de Dados TiVA da OCDE-OMC, existem outras iniciativas interessantes, como a base de dados “Eora MRIO”, que é uma multi-region input-output database”,financiada pelo Australian Research Council. Essa base de dados possui, até o presente momento, dados de 187 países, abrangendo mais de 15 mil setores econômicos, cobrindo o período de 1990 a 2011. A ferramenta está disponível no website http://www.worldmrio.com/
Outra iniciativa interessante é a World Input-Output Database (WIOD), que possui inclusive uma seção de “indicadores de cadeias globais de valor”. Até o presente momento, estão disponibilizados dados que cobrem o período de 1995 a 2011.
O exame de dados brutos de comércio exterior traz um risco do ponto de vista das medidas de política comercial: pode levar um país a tomar medidas protecionistas contra um parceiro comercial com o qual sofra déficits comerciais a partir de uma percepção errada da origem dos desequilíbrios comerciais. Esse é mais um motivo por trás da necessidade de se ter dados em termos de valor adicionado. A ótica do valor adicionado não altera o saldo comercial global de um país: simplesmente redistribui os déficits e superávits de acordo com o país de origem de cada etapa de agregação de valor.
[...]
1 Com atividades de reciclagem e suporte pós-venda, por exemplo
2 Como Kaplinsky, Fernandez-Stark, Schmitz e Humphrey, por exemplo.
3 Offshoring significa a realocação de atividades de negócio de determinada empresa de um país para outro.
4 Outsourcing é quase um sinônimo de terceirização, com a diferença de que representa a delegação de atividades mais estratégicas a terceiros. No âmbito das CGVs, o outsourcing está mais relacionado a atividades diretamente ligadas à produção.
5 Os quatro países mais dinâmicos da Associação das Nações do Sudeste Asiático: Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas
6 Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong
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