O Sebastianismo

Breve panorama de uma mitogenia nacional


Trabajo de Seminario, 2002

17 Páginas, Calificación: Muito bom (= Note 1)


Extracto


1. Introdução

Este Rei de grão primor, Com furor, Passará o mar salgado Em um cavallo enfreado E não sellado, Com gente de grão valor. in: Trovas do Bandarra, estrofe CIV, edição do Porto de 1866

O Sebastianismo, uma forma de messianismo, é a crença e a esperança no regresso do rei D. Sebastião ou, por transposição, na vinda de outro chefe salvador que virá libertar o povo e restaurar o prestígio nacional. As Trovas do sapateiro Bandarra, uma série de profecias nascidas provavelmente entre os anos 1530 e 1540 e, portanto, antes do nascimento de D. Sebastião, receberam só posteriormente a sua interpretação sebastianista, mas, sob esta forma, influenciaram muito a imaginação do regresso do rei Salvador. Este mito messiânico, que consiste na crença viva e colectiva da vinda do Messias, do Enviado, do Salvador, que não é necessariamente D. Sebastião, embora este seja, por excelência, a figura messiânica do povo português, tem a sua origem numa época histórica difícil para Portugal. São os momentos críticos como o domínio filipino, depois da derrota de Alcácer Quibir, o período da Restauração e as inquietações das invasões francesas, que o alimentam e o fazem crescer, embora tome sempre formas diferentes.

Qual é o específico do sebastianismo como forma de messianismo? Como é que nasceu e em que medida esta crença num chefe salvador mudou ao longo da história portuguesa?

O trabalho tem como objectivo dar um panorama do mito sebástico ao longo dos séculos e começa, em primeiro lugar, com uma aproximação ao conceito de mito, como também ao messianismo em geral e ao sebastianismo em particular.

Depois de uma análise do contexto histórico do fenómeno, das condições e raízes da crença, ou seja, uma descrição do messianismo pré-sebastianista, segue-se uma apresentação das formas do sebastianismo contemporâneo a D. Sebastião e, sobretudo, uma exposição das interpretações posteriores à morte, não admitida pelos sebastianistas, do jovem rei nos campos de Alcácer Quibir.

2. Mito, messianismo, sebastianismo

Consultando o Dicionário da língua portuguesa da Porto Editora, sabemos que um mito, palavra de origem grega (mythos), com o significado de “palavra expressa”, pelo latim mythu-, “fábula, mito”, pode ser, entre outras coisas, uma “elaboração do espírito essencialmente ou puramente imaginativa” ou até uma “representação de uma coisa inteiramente irreal”. Em outros casos é uma “representação falsa, por simplista, mas geralmente admitida por todos os membros de um grupo”. Esta universalidade é também expressa por Claude Lévi-Strauss: “un mythe est perçu comme mythe par tout lecteur, dans le monde entier”[1]. Além disso, lemos no Dicionário que se pode definir um mito como “exposição de uma ideia ou de uma doutrina sob forma voluntariamente poética e quase religiosa”, no sentido de uma “lenda”. O aspecto poético, desde o ínicio, tem uma importância extraordinária nas interpretações sebastianistas e aumenta ainda depois de meados do século XIX, quando o sebastianismo deixa de ser um fenómeno político para entrar definitiva e inteiramente no domínio literário.[2] É também verdade que a crença sebástica chegou a ser quase uma religião, ou seja, uma seita na linguagem dos anti-sebastianistas, com o seu “evangelho”[3] nas Trovas de Bandarra. Nos inícios do século XIX, foi publicado por José Agostinho de Macedo um opúsculo com o título Os Sebastianistas. Reflexões sobre esta ridícula seita. Já alguns críticos comtemporâneos aludem ao facto de a base dum mito ser a substituição do raciocínio pela crença.

Para PETRUS, no seu Regresso ao Sebastianismo, e nas palavras de Pires, o mito é “revelador dos conflitos da história, tal como o sonho, seu parente próximo, o é dos conflitos da mente”[4]. E Fernando Pessoa, que se confessou ele próprio “um nacionalista místico e um sebastianista racional”[5], diz na sua Mensagem que o mito é “um nada que é tudo”[6].

Ora, no sebastianismo, como já vimos atrás, encontramos um mito messiânico que se baseia na crença do regresso redentor de D. Sebastião numa manhã de nevoeiro, que foi derrotado na batalha de Alcácer Quibir por Mulei Almelique no dia 4 de Agosto de 1578, morrendo com a idade de 24 anos, dez anos depois da sua ascensão ao trono.

O messianismo, historicamente, tem as suas raízes nas tradições religiosas do povo judaico. Como seus princípios fundamentais têm de ser destacados a crença na vinda de um ser eleito, um chefe superior, esperado ansiosamente, que somente ele é capaz de concluir uma acção salvadora, e também a avidez dessa expectação e a possibilidade, ao longo do tempo, de transferir essa esperança, conforme às novas condições, de chefe para chefe, o que aconteceu também no caso do sebastianismo. Portanto, o rei D. Sebastião não é necessariamente o salvador esperado, embora seja a figura messiânica por excelência, e marca apenas uma fase, a primeira, do messianismo português, do qual “sebastianismo” ficou a ser o nome genérico.[7] Por conseguinte existe, se quisermos, um sebastianismo propriamente dito, relacionado à volta do jovem rei, sobrevivido à batalha de Alcácer Quibir, e um sebastianismo transposto, mais tarde, para outros chefes como por exemplo D. João IV, D. Afonso VI, D. João VI, D. Miguel e Sidónio Pais.[8]

“O sebastianismo é uma espécie de messianismo.”[9] Com esta frase, Besselaar abre a sua História sumária do sebastianismo. Na primeira parte da sua obra, o autor tenta fazer uma integração do messianismo português na história do messianismo europeu. Chama a atenção do leitor para o anacronismo de entendermos o conceito de messianismo, partindo de uma visão secularizada, como a “cega fé das massas populares num líder político, julgado capaz de acabar com os abusos existentes e de inaugurar uma nova era de bem-estar geral”. É preciso aproximarmo-nos do conceito, tomando por base o contexto de uma sociedade que ainda não é secularizada, onde a religião e a política se dão intimamente as mãos e o mundo sobrenatural tem uma grande importância. Nesse sentido, o messianismo é a “crença mais ou menos generalizada na vinda de um Deus ou de um Enviado de Deus, que salvará o seu povo oprimido”[10]. Besselaar reconduz o messianismo português ao Joaquimismo, movimento profético que surgiu na Itália no século XIII e que recorre às teorias do italiano Joaquim de Fiore. Porém, o joaquimismo do fim da Idade Média pouco ou nada tem a ver com a sua doutrina autêntica e a sua divisão da história em três fases sucessivas: as do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Trata- se, sinteticamente, da esperança na vinda de um grande reformador, que há-de livrar a cristandade de inimigos internos e externos para estabelecer, finalmente, um reino universal de paz e justiça. O sebastianismo é “a sua fruta serôdia”[11] num Portugal que oferece “um solo fecundo”[12] para este movimento profético. Como causas desta fácil aceitação pelo povo português, Besselaar cita o atraso cultural de Portugal como sociedade “sacral”, o substrato celta, a que se atribui o amor do longínquo e o sonho do ideal fora do alcance, bem como a própria história dos portugueses, cujas grandes esperanças foram frustradas cruelmente.

Também na opinião de Loureiro[13], a tendência para o profético tem as suas raízes na parte do substrato celta da combinação étnica celto-lusitana do povo português, nomeadamente no espírito poético, saudoso e sensível. O substrato lusitano representa o temperamento pragmático e heróico. Ele defende a tese de que Portugal, só com os séculos XV e XVI, terá ganho uma cultura própria, fortemente virada para e indissoluvelmente ligada à expansão marítima portuguesa da época, embora seja o país mais antigo da Europa e, praticamente, já tivesse as fronteiras de hoje em meados do século XIII.

O capítulo seguinte vai tratar exactamente do contexto histórico, das causas e raízes do sebastianismo e das formas de messianismo pré-sebastianista.

3. Condições do sebastianismo e messianismo pré-sebástica

Após a batalha de Alcácer Quibir, o abatimento, a dor e a desolação foram grandes entre os Portugueses e criou-se assim um estado de transe permanente, de desespero e de temor contínuos ou até um sentimento de culpabilidade colectiva.

Durante o processo do desenvolvimento do mito, o interesse essencial já não está na figura do rei D. Sebastião, mas nos anelos que há-de realizar. Há uma divergência nítida entre a realidade e a imagem visionária, entre o rei que D. Sebastião foi e a visão do rei que se esperava que ele tivesse sido. O Encoberto, anunciado por Bandarra, ou seja o D. Sebastião do mito, um adolescente de longos cabelos louros, montado num cavalo branco, não corresponde à realidade histórica do D. Sebastião morto nos fins do século XVI. Com as palavras de Petrarca: “Un bel morir tutta la vita onora”.

O mito messiânico, o sebastianismo, que era alimentado por este profundo traço na consciência colectiva, nasce num período altamente crítico e, ao longo dos séculos, surgirá sempre em períodos de crise. Quando, em 24 de Junho de 1578, no dia de S. João, a armada de D. Diogo de Sousa parte, o rei, corajoso e insofrido, não está à procura de uma vitória fácil, mas sim duma batalha em campo aberto, na qual participa com frescura, energia e destemor. Tudo isso alimentou, depois da sua morte, um mito.[14]

Mas já no reinado de D. João III, nos anos 1521 até 1557, se destacam duas linhas principais de tensão nacional[15] entre as dificuldades de ordem socio-económica e política num período de desviação dos rumos gloriosos, de vicissitudes políticas, militares, económicas e religiosas e de decadência notável. O império português estava num período de declínio. Os ataques de corsários e piratas no oceano Atlântico eram sempre mais numerosos e, além disso, havia fortes interesses das potências norte-europeias quanto aos entrepostos e às fortalezas portuguesas no Índico e no Atlântico.

A primeira linha de tensão dizia respeito à questão de sucessão que se encontrava em perigo por causa da morte prematura de nove príncipes, filhos do Piedoso. À morte do seu avô em 1557, D. Sebastião tem apenas três anos e, por isso, D. Catarina de Áustria foi nomeada regente do reino, até que foi substituída pelo Cardeal D. Henrique, irmão do falecido rei, por causa da proximidade dos seus interesses castelhanos e da sua política castelhanófila que não agradava nada aos portugueses. Em 1568, D. Sebastião ascende ao trono, com quatorze anos.[16]

A segunda causa das tensões nacionais era a política de abandono de algumas praças africanas (Safim, Azamor, Alcácer Seguer e Arzila) da parte do rei D. João III, por razões militares e económicas. Os prejuízes acumulados nas possessões do Norte de África eram consideráveis.

Por estes motivos, o povo está ardentemente à espera dum sucessor de D. João III. Está à espera do Desejado, garantia para Portugal e para a sua independência, que será D. Sebastião, cujo nascimento, após as ânsias do breve interregno desde a morte prematura do príncipe-herdeiro D. João, pai de D. Sebastião, parece a “resposta que o destino ou Providência concedeu aos Portugueses, para se desembaraçarem das dificuldades que os atormentavam”[17]

[...]


[1] Claude Lévi-Strauss, Anthropololgie Structurale.

[2] V. Secretaria de Estado da Comunicação Social, O Sebastianismo. Breve panorama dum mito português, Lisboa 1978, p.15; António Machado Pires, D. Sebastião e o Encoberto. Estudo e antologia, Lisboa 1971, p. 98.

[3] J. Lúcio de Azevedo, A evolução do sebastianismo, Lisboa 21947, p. 9.

[4] Pires, p. 24. PETRUS é o pseudónimo do autor e a obra não tem data nem lugar de publicação.

[5] Ibidem, p. 99.

[6] Ibidem, p. 110.

[7] V. ibidem, p. 37-38.

[8] V. ibidem, p. 32.

[9] José van den Besselaar, O Sebastianismo. História sumária, Lisboa 1987, p. 13.

[10] Ibidem, p. 14.

[11] Ibidem, p. 17.

[12] Ibidem, p. 25.

[13] V. Francisco de Sales Loureiro, D. Sebastião antes e depois de Alcácer Quibir, Lisboa 1978, p. 225.

[14] V. Francisco de Sales Loureiro, “Uma mitogenia nacional”, in: Revista da Faculdade de Letras, n.o 12-5.a Série, Lisboa 1989, p. 50.

[15] V. Loureiro 1978, p. 228.

[16] „Ceptro de oiro em mãos de criança”, dirá um escritor; Pires, p. 42.

[17] Loureiro 1989, p. 47.

Final del extracto de 17 páginas

Detalles

Título
O Sebastianismo
Subtítulo
Breve panorama de uma mitogenia nacional
Universidad
University of Lisbon  (Departamento de Língua e Cultura Portuguesa (Faculdade de Letras))
Curso
Seminar "Cultura Portuguesa Contemporânea"
Calificación
Muito bom (= Note 1)
Autor
Año
2002
Páginas
17
No. de catálogo
V114597
ISBN (Ebook)
9783640153435
ISBN (Libro)
9783640155170
Tamaño de fichero
476 KB
Idioma
Portugués
Palabras clave
Sebastianismo, Seminar, Cultura, Portuguesa, Contemporânea
Citar trabajo
Thomas Strobel (Autor), 2002, O Sebastianismo, Múnich, GRIN Verlag, https://www.grin.com/document/114597

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Título: O Sebastianismo



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