Extracto
Resumo
Apesar do otimismo demonstrado na imprensa nacional e internacional com o Brasil no enfrentamento da crise financeira mundial o presente artigo se empenha em afirmar que a situação do Brasil emergente pede mais cautela que euforia. Partindo do questionamento “O Brasil decolou?” conclui que o Brasil não decolou, uma vez que se tome como norte não mais o ultrapassado conceito de desenvolvimento, mas o conceito de avanço; avanço da sociedade. Avanço quer dizer aqui condição de homogeneidade e equilíbrio na oferta de bens e serviços em geral. Mesmo o atribuído crescimento econômico do Brasil não se apresenta satisfatório ao procurar confirmação nos dados comparativos com outras economias de destaque da América Latina. Obviamente que em sendo o maior mercado consumidor interno e possuidor do maior PIB da América Latina, o Brasil é um país atraente para o investidor externo, principalmente diante da atual crise do sistema financeiro. O texto alerta ainda para a falácia do crescimento econômico que ameaça aprisionar os países emergentes em uma eterna condição de subdesenvolvimento. A despeito do toque aparentemente pessimista do texto, esse pessimismo é contrabalanceado pelo reconhecimento de que a veia otimista do Brasil pode ter em um diagnóstico adequado e em políticas públicas integradas o impulso necessário para não abandonar o título do país de um quase alcançado promissor futuro.
Introdução
A atual crise financeira abalou em maior ou menor proporção a economia de todos os países do globo. O Brasil, apesar de não estar imune aos efeitos da crise, surpreende pelo clima de deslumbramento com o desempenho econômico do país. A grande expectativa em torno da economia brasileira é veiculada tanto na imprensa nacional quanto internacional, tendo ganhado espaço inclusive na revista The Economist [19] . Essa atmosfera de confiança na economia brasileira está bem sintetizada nas palavras de Kennedy Diógenes [16].
A superação da crise de 2008, aliada a uma estabilidade econômica, ao aumento do índice de desenvolvimento humano e ao bom humor dos investidores, têm gerado uma atmosfera de confiança na economia brasileira, atingindo o índice de 25,7 no Sensor Econômico, escala idealizada pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que vai de -100 a +100, conforme o último relatório desse Instituto, em mês novembro de 2009. (Kennedy Diógenes, 2009).
A expectativa com a economia do Brasil parece se confundir com a euforia de sediar a próxima copa e as olimpíadas. Para o cidadão comum, aquele que nem é imprensa nem governo, e muito menos atento às variações do humor internacional, permanece uma lacuna que o impede de compreender em que se baseia tanta expectativa. Afinal, se paga cada vez mais impostos, mas os desafios no âmbito das políticas públicas só aumentam e apesar do crescimento econômico não vislumbram soluções. A segurança pública se tornou, juntamente com a saúde e a educação, mais um dentre os grandes problemas brasileiros. Ao complexo problema das metrópoles se somam a urbanização caótica das capitais e as implicações ambientais da precária infra-estrutura urbana, comprometendo a qualidade de vida em uma escala maior do que se espera tolerável em um crescimento econômico profícuo. Longe da percepção de que a estética ambiental vai muito além dos limites das aparências, até mesmo pequenos municípios já constituem desafios consideráveis diante da corrida pelo crescimento em todas as regiões do Brasil. Ou o que dizer do fato de que até mesmo em pequenos municípios os índices de violência, a criminalidade e os problemas ambientais se instalam muito mais prontamente do que as benfeitorias do Estado conseguem alcançar? [6] [1]. Se esses problemas que ainda não vislumbram soluções são as inquietações do cidadão brasileiro comum, eles são também os grandes desafios para os próximos governos. E são justamente esses problemas que, ao se imbricarem no cotidiano do cidadão comum, são a causa da dificuldade em compreender o deslumbramento do mundo com uma economia que apenas confirma o Brasil na condição de país emergente. Os temas relacionados à saúde, à educação e à segurança pública constituem indubitavelmente, somados aos resultantes da falta de planejamento urbano, os grandes desafios para os próximos governos.
Os problemas reais vividos pela população brasileira constituem grande desafio para a formulação de políticas públicas e exigem que seja feita a distinção entre crescimento econômico e desenvolvimento – ou avanço, para ser mais adequado. Uma distinção que permite afirmar que o crescimento econômico do Brasil deve ser visto mais com cautela do que com euforia. Apesar de o mercado brasileiro ser atrativo pela quantidade de consumidores em potencial, a economia brasileira, enquanto instrumento de desenvolvimento ou avanço da sociedade, permanece, a despeito da euforia que invade a imprensa nacional e internacional, preocupante. Pelo menos é o que nos aponta a análise de alguns indicadores econômicos. Indicadores de uma economia que, se sob o ponto de vista social-filosófico necessita ser repensada, sob o ponto de vista meramente pragmático requer uma análise no contexto de um almejado avanço da sociedade. Afinal, o avanço da sociedade é o objetivo do qual o crescimento econômico é um mero instrumento. Ou seja, a economia é que é um instrumento da sociedade, e não a sociedade um instrumento da economia. O melhor indício de desenvolvimento de um país é dado não pelo crescimento econômico, mas pela forma como o Estado trata o seu cidadão. Nesse contexto, a alocação de recursos é fator mais decisivo do que o crescimento da economia visto isoladamente. O tratamento dispensado pelo Estado ao cidadão se expressa na sua alocação de recursos. Parece desnecessário afirmar que o desejável é que tal alocação seja feita de forma que venha a favorecer a melhoria da qualidade de vida da população, não a sua piora, como se constata acontecer nas metrópoles emergentes em geral [10]. Atente-se que no Brasil atual até mesmo cidades e municípios de porte menor vem tendo uma qualidade de vida cada vez mais comprometida; se não pela carência de água e energia como em tempos passados, pelo aumento da violência e pelo destino inadequado do lixo, dentre outros.
Por isso é que para o propósito do presente artigo, sem a ambição de aprofundar o tema, cabe buscar uma definição para o termo desenvolvimento, uma vez que foi o significado que se deu ao termo – das teorias do desenvolvimento do passado aos consensos atuais, – que definiu a relação entre a sociedade e a economia. Até porque “desenvolvimento” é por excelência um termo normativo e, como tal, é uma entidade vetorial, direcionando para um determinado ponto entendido como fim. Já o termo crescimento econômico – muitas vezes erroneamente utilizado como sinônimo de desenvolvimento – se refere aqui apenas à variação do Produto Interno Bruto de um período para outro, ou seja, à variação da soma dos preços de todos os bens de consumo (produtos e serviços) produzidos em uma economia de um período para outro [3]. O fato de que em termos gerais para que haja desenvolvimento é preciso que haja também crescimento econômico, não implica que o crescimento econômico conduza necessariamente ao desenvolvimento nem no sentido estritamente econômico nem no sentido lato do termo. A crença nessa implicação mútua constitui a falácia com que por muito tempo, e em alguns casos até os dias atuais, ainda se quer fundamentar projetos desenvolvimentistas de países emergentes.
A palavra “desenvolvimento” na acepção comum do termo nada mais quer significar que adiantamento, aumento, progresso [9]. Em entendimento linear já ultrapassado da economia, o termo referia-se a estágio econômico, social e político caracterizado por altos índices de rendimento dos fatores de produção. No percurso entre o pensamento passado e atual que caracterizou a economia enquanto força motora do desenvolvimento se experimentou da maximização dos lucros à maximização das necessidades, dando origem a diversas teorias do crescimento e do desenvolvimento econômico. Esses experimentos passados deixaram como legado para o sistema financeiro uma rejeição a radicalismos, sobretudo no plano político, que encontra consenso quase universal no mundo ocidental contemporâneo. O pensamento contemporâneo rejeita a linearidade do passado quando dá significado ao termo desenvolvimento [3]. Também as etapas do desenvolvimento de Rostow não encontram ressonância no mundo atual [13].
No que diz respeito ao Brasil o conceito de desenvolvimento evoca o projeto modernista progressista de industrialização por substituição de importações e a teoria da dependência [2] [11]. Os frutos do pensamento da época repercutem até hoje na sociedade brasileira. Ao reduzir o desenvolvimento ao aspecto econômico e não considerar os custos sociais e ambientais do projeto desenvolvimentista, os países emergentes da atualidade ao que parece erraram ao esperar conseguir, com tal modelo, obter o mesmo resultado que consagraram a industrialização e o avanço de países europeus de épocas remotas, principalmente a Inglaterra e a Alemanha. Em lugar do “desenvolvimento equilibrado” que se pode dizer dar significado ao termo “avanço” aplicado aos países pós-industrializados da atualidade, no Brasil tal projeto resultou visivelmente em um cenário caótico que expressa algo inacabado e malfeito. Cenário que se deve em grande parte às falhas e por vezes até à completa ausência de infra-estrutura condizente com o crescimento que se pretendeu alcançar.
Foi assim que no presente texto optou-se pela acepção de desenvolvimento como conceito atrelado a teorias da modernidade e à teoria da dependência, as quais em décadas passadas contribuíram para desencadear nos países subdesenvolvidos uma busca por um progresso fomentado pela industrialização e substituição de importações. Já para o termo avanço ousa-se aqui uma definição de punho próprio que implica na expressão utilizada nos Estados de Direito contemporâneos para substituir a essa ultrapassada idéia de desenvolvimento. Nesse contexto, um Estado avançado seria aquele onde há uma homogeneidade e equilíbrio na oferta de bens e serviços em geral, os quais, correspondendo aos anseios legítimos da sociedade, oferecem as condições para que seus cidadãos desenvolvam e possam por em prática seus projetos pessoais de vida. Mesmo que ao longo do texto para evitar uma linguagem enfadonha por vezes utilize-se um ou outro termo como sendo sinônimos, é importante que se tenha em mente essas distinções vertebrais. Pois se trata de uma evolução conceitual que se por um lado desacopla o crescimento econômico enquanto objetivo de Estado, permite mantê-lo objetivo de governo como mero instrumento no esforço de atingir anseios legítimos da sociedade.
Atente-se também que as considerações feitas aqui não anulam o reconhecimento de que da década de 80 até a atual o Brasil melhorou, e melhorou muito, como melhorou o mundo em seus vários aspectos. Para confirmar essa melhora global e brasileira basta que se confira os dados fornecidos por bancos de dados nacionais e internacionais. [24], [25], [23], [22] [7]. Mas se é verdade que o Brasil melhorou, também é verdade que pode melhorar mais ainda. E para melhorar cada vez mais é essencial a constante revisão de conjuntura, atualização de conceitos e, sobretudo, readequação de suas políticas públicas. Não menos importante é centrar o Estado emergente e em pleno processo de consolidação democrática na responsabilidade para com seus cidadãos e na perpetuação de uma relação de equilíbrio com outras nações.
É nesse contexto que o presente texto – apesar das palavras duras e divergentes do elogio quase bajulador que assolam a imprensa quando trata do Brasil, – expõe aspectos entendidos como críticos e dignos de reflexão. A pouca profundidade na análise que extrapola o alcance ousado do autor e os propósitos do texto, não minimizam o potencial construtivo do debate, que deixa margem para ampliação tanto do ponto de vista estritamente da análise econômica, quanto do ponto de vista da análise social e filosófica. Se sob a ótica aqui apresentada o Brasil não está tão bem na foto quanto se propaga, é justamente a veia otimista do Brasil que deve fazer ver tal constatação como um alerta e motivo de rever políticas públicas, do que como um rogar praga pessimista. Afinal, o fato é que em termos relativos o crescimento econômico do Brasil não se mostra tão satisfatório, mesmo que em termos absolutos o Brasil constitui indubitavelmente, em sendo o maior mercado consumidor da América Latina, um mercado consumidor interno atraente.
Apesar da amplitude do estudo que pode vir a ser desenvolvido a partir dos elementos que são mencionados ao longo do texto, o objetivo aqui se restringe a demonstrar o porquê não se justifica tanta euforia da imprensa em torno do momento econômico brasileiro. Ao fazê-lo, dá margens para que o crescimento econômico do Brasil possa ser problematizado enquanto instrumento para viabilizar o desenvolvimento no sentido de avanço da sociedade. O empenho no objetivo aqui proposto foi feito a partir da apresentação de índices da economia coletados de bancos de dados online de instituições nacionais e internacionais de confiabilidade garantida, com o intuito de situar o crescimento econômico do Brasil no contexto da América Latina. A essa análise elementar foram feitas inferências que buscaram esclarecer o porquê, a despeito do deslumbramento com a economia do Brasil, há motivos de preocupação com os rumos que vem tomando o crescimento do país. Ou seja, busca uma compreensão, e não uma explicação. Nesse sentido, a abordagem dada ao tema difere decisivamente de outras abordagens visto que exige a formulação de juízos inserindo-a no âmbito normativo, ou seja, dos valores. Diferentemente de outras abordagens principalmente da economia strictu sensu, onde se busca explicação dos fenômenos que envolvem o desenvolvimento e o crescimento econômico, aqui se busca apenas a compreensão dos fatos averiguados. Entenda-se: apesar do texto envolver elementos centrais da economia, não trata do assunto sob o ponto de vista desta, mas sob o ponto de vista ético-social. O pressuposto de que o valor fundamental da atividade econômica é o valor do útil, reconhece-o não apenas como valor subordinado a outros valores, mas como instrumento para a viabilização de interesses vitais – interesses vitais na concepção contemporânea do termo –, indagação que também interessa à filosofia econômica. São indagações que permeiam tanto a ética social quanto a filosofia econômica e a filosofia política, e que estão presentes em obras consagradas da economia política brasileira [11]. Assim sendo o presente artigo não traz indagação inovadora ao afirmar a discrepância entre a realidade social brasileira e a atual empolgação com a condução da economia, ou ao procurar explicitar tal discrepância para favorecer a compreensão. O pensamento da economia política é consagradamente interdisciplinar e sensível ao seu longo alcance, mesmo que a política econômica – pelas limitações que lhes são inerentes, – na maioria das vezes pareça estar longe de um empenho nesse amplo alcance. É por isso que, dadas as óbvias limitações de objetivo e metodológicas do estudo, seria recomendável a ampliação das proposições ora levantadas. Ampliações que cabem tanto no âmbito estritamente da economia, quanto das ciências políticas, da sociologia ou da filosofia, mas que indiscutivelmente pedem uma abordagem interdisciplinar.
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- Dr. med. Leidimar Pereira Murr (Autor), 2009, O Brasil decolou?, Múnich, GRIN Verlag, https://www.grin.com/document/143887
Así es como funciona
Comentarios
Gostei das primeiras 6 páginas, porque o artigo não está disponível inteiro gratuito