O Brasil decolou?


Redacción Científica, 2009

30 Páginas


Extracto


Resumo

Apesar do otimismo demonstrado na imprensa nacional e internacional com o Brasil no enfrentamento da crise financeira mundial o presente artigo se empenha em afirmar que a situação do Brasil emergente pede mais cautela que euforia. Partindo do questionamento “O Brasil decolou?” conclui que o Brasil não decolou, uma vez que se tome como norte não mais o ultrapassado conceito de desenvolvimento, mas o conceito de avanço; avanço da sociedade. Avanço quer dizer aqui condição de homogeneidade e equilíbrio na oferta de bens e serviços em geral. Mesmo o atribuído crescimento econômico do Brasil não se apresenta satisfatório ao procurar confirmação nos dados comparativos com outras economias de destaque da América Latina. Obviamente que em sendo o maior mercado consumidor interno e possuidor do maior PIB da América Latina, o Brasil é um país atraente para o investidor externo, principalmente diante da atual crise do sistema financeiro. O texto alerta ainda para a falácia do crescimento econômico que ameaça aprisionar os países emergentes em uma eterna condição de subdesenvolvimento. A despeito do toque aparentemente pessimista do texto, esse pessimismo é contrabalanceado pelo reconhecimento de que a veia otimista do Brasil pode ter em um diagnóstico adequado e em políticas públicas integradas o impulso necessário para não abandonar o título do país de um quase alcançado promissor futuro.

Introdução

A atual crise financeira abalou em maior ou menor proporção a economia de todos os países do globo. O Brasil, apesar de não estar imune aos efeitos da crise, surpreende pelo clima de deslumbramento com o desempenho econômico do país. A grande expectativa em torno da economia brasileira é veiculada tanto na imprensa nacional quanto internacional, tendo ganhado espaço inclusive na revista The Economist [19] . Essa atmosfera de confiança na economia brasileira está bem sintetizada nas palavras de Kennedy Diógenes [16].

A superação da crise de 2008, aliada a uma estabilidade econômica, ao aumento do índice de desenvolvimento humano e ao bom humor dos investidores, têm gerado uma atmosfera de confiança na economia brasileira, atingindo o índice de 25,7 no Sensor Econômico, escala idealizada pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que vai de -100 a +100, conforme o último relatório desse Instituto, em mês novembro de 2009. (Kennedy Diógenes, 2009).

A expectativa com a economia do Brasil parece se confundir com a euforia de sediar a próxima copa e as olimpíadas. Para o cidadão comum, aquele que nem é imprensa nem governo, e muito menos atento às variações do humor internacional, permanece uma lacuna que o impede de compreender em que se baseia tanta expectativa. Afinal, se paga cada vez mais impostos, mas os desafios no âmbito das políticas públicas só aumentam e apesar do crescimento econômico não vislumbram soluções. A segurança pública se tornou, juntamente com a saúde e a educação, mais um dentre os grandes problemas brasileiros. Ao complexo problema das metrópoles se somam a urbanização caótica das capitais e as implicações ambientais da precária infra-estrutura urbana, comprometendo a qualidade de vida em uma escala maior do que se espera tolerável em um crescimento econômico profícuo. Longe da percepção de que a estética ambiental vai muito além dos limites das aparências, até mesmo pequenos municípios já constituem desafios consideráveis diante da corrida pelo crescimento em todas as regiões do Brasil. Ou o que dizer do fato de que até mesmo em pequenos municípios os índices de violência, a criminalidade e os problemas ambientais se instalam muito mais prontamente do que as benfeitorias do Estado conseguem alcançar? [6] [1]. Se esses problemas que ainda não vislumbram soluções são as inquietações do cidadão brasileiro comum, eles são também os grandes desafios para os próximos governos. E são justamente esses problemas que, ao se imbricarem no cotidiano do cidadão comum, são a causa da dificuldade em compreender o deslumbramento do mundo com uma economia que apenas confirma o Brasil na condição de país emergente. Os temas relacionados à saúde, à educação e à segurança pública constituem indubitavelmente, somados aos resultantes da falta de planejamento urbano, os grandes desafios para os próximos governos.

Os problemas reais vividos pela população brasileira constituem grande desafio para a formulação de políticas públicas e exigem que seja feita a distinção entre crescimento econômico e desenvolvimento – ou avanço, para ser mais adequado. Uma distinção que permite afirmar que o crescimento econômico do Brasil deve ser visto mais com cautela do que com euforia. Apesar de o mercado brasileiro ser atrativo pela quantidade de consumidores em potencial, a economia brasileira, enquanto instrumento de desenvolvimento ou avanço da sociedade, permanece, a despeito da euforia que invade a imprensa nacional e internacional, preocupante. Pelo menos é o que nos aponta a análise de alguns indicadores econômicos. Indicadores de uma economia que, se sob o ponto de vista social-filosófico necessita ser repensada, sob o ponto de vista meramente pragmático requer uma análise no contexto de um almejado avanço da sociedade. Afinal, o avanço da sociedade é o objetivo do qual o crescimento econômico é um mero instrumento. Ou seja, a economia é que é um instrumento da sociedade, e não a sociedade um instrumento da economia. O melhor indício de desenvolvimento de um país é dado não pelo crescimento econômico, mas pela forma como o Estado trata o seu cidadão. Nesse contexto, a alocação de recursos é fator mais decisivo do que o crescimento da economia visto isoladamente. O tratamento dispensado pelo Estado ao cidadão se expressa na sua alocação de recursos. Parece desnecessário afirmar que o desejável é que tal alocação seja feita de forma que venha a favorecer a melhoria da qualidade de vida da população, não a sua piora, como se constata acontecer nas metrópoles emergentes em geral [10]. Atente-se que no Brasil atual até mesmo cidades e municípios de porte menor vem tendo uma qualidade de vida cada vez mais comprometida; se não pela carência de água e energia como em tempos passados, pelo aumento da violência e pelo destino inadequado do lixo, dentre outros.

Por isso é que para o propósito do presente artigo, sem a ambição de aprofundar o tema, cabe buscar uma definição para o termo desenvolvimento, uma vez que foi o significado que se deu ao termo – das teorias do desenvolvimento do passado aos consensos atuais, – que definiu a relação entre a sociedade e a economia. Até porque “desenvolvimento” é por excelência um termo normativo e, como tal, é uma entidade vetorial, direcionando para um determinado ponto entendido como fim. Já o termo crescimento econômico – muitas vezes erroneamente utilizado como sinônimo de desenvolvimento – se refere aqui apenas à variação do Produto Interno Bruto de um período para outro, ou seja, à variação da soma dos preços de todos os bens de consumo (produtos e serviços) produzidos em uma economia de um período para outro [3]. O fato de que em termos gerais para que haja desenvolvimento é preciso que haja também crescimento econômico, não implica que o crescimento econômico conduza necessariamente ao desenvolvimento nem no sentido estritamente econômico nem no sentido lato do termo. A crença nessa implicação mútua constitui a falácia com que por muito tempo, e em alguns casos até os dias atuais, ainda se quer fundamentar projetos desenvolvimentistas de países emergentes.

A palavra “desenvolvimento” na acepção comum do termo nada mais quer significar que adiantamento, aumento, progresso [9]. Em entendimento linear já ultrapassado da economia, o termo referia-se a estágio econômico, social e político caracterizado por altos índices de rendimento dos fatores de produção. No percurso entre o pensamento passado e atual que caracterizou a economia enquanto força motora do desenvolvimento se experimentou da maximização dos lucros à maximização das necessidades, dando origem a diversas teorias do crescimento e do desenvolvimento econômico. Esses experimentos passados deixaram como legado para o sistema financeiro uma rejeição a radicalismos, sobretudo no plano político, que encontra consenso quase universal no mundo ocidental contemporâneo. O pensamento contemporâneo rejeita a linearidade do passado quando dá significado ao termo desenvolvimento [3]. Também as etapas do desenvolvimento de Rostow não encontram ressonância no mundo atual [13].

No que diz respeito ao Brasil o conceito de desenvolvimento evoca o projeto modernista progressista de industrialização por substituição de importações e a teoria da dependência [2] [11]. Os frutos do pensamento da época repercutem até hoje na sociedade brasileira. Ao reduzir o desenvolvimento ao aspecto econômico e não considerar os custos sociais e ambientais do projeto desenvolvimentista, os países emergentes da atualidade ao que parece erraram ao esperar conseguir, com tal modelo, obter o mesmo resultado que consagraram a industrialização e o avanço de países europeus de épocas remotas, principalmente a Inglaterra e a Alemanha. Em lugar do “desenvolvimento equilibrado” que se pode dizer dar significado ao termo “avanço” aplicado aos países pós-industrializados da atualidade, no Brasil tal projeto resultou visivelmente em um cenário caótico que expressa algo inacabado e malfeito. Cenário que se deve em grande parte às falhas e por vezes até à completa ausência de infra-estrutura condizente com o crescimento que se pretendeu alcançar.

Foi assim que no presente texto optou-se pela acepção de desenvolvimento como conceito atrelado a teorias da modernidade e à teoria da dependência, as quais em décadas passadas contribuíram para desencadear nos países subdesenvolvidos uma busca por um progresso fomentado pela industrialização e substituição de importações. Já para o termo avanço ousa-se aqui uma definição de punho próprio que implica na expressão utilizada nos Estados de Direito contemporâneos para substituir a essa ultrapassada idéia de desenvolvimento. Nesse contexto, um Estado avançado seria aquele onde há uma homogeneidade e equilíbrio na oferta de bens e serviços em geral, os quais, correspondendo aos anseios legítimos da sociedade, oferecem as condições para que seus cidadãos desenvolvam e possam por em prática seus projetos pessoais de vida. Mesmo que ao longo do texto para evitar uma linguagem enfadonha por vezes utilize-se um ou outro termo como sendo sinônimos, é importante que se tenha em mente essas distinções vertebrais. Pois se trata de uma evolução conceitual que se por um lado desacopla o crescimento econômico enquanto objetivo de Estado, permite mantê-lo objetivo de governo como mero instrumento no esforço de atingir anseios legítimos da sociedade.

Atente-se também que as considerações feitas aqui não anulam o reconhecimento de que da década de 80 até a atual o Brasil melhorou, e melhorou muito, como melhorou o mundo em seus vários aspectos. Para confirmar essa melhora global e brasileira basta que se confira os dados fornecidos por bancos de dados nacionais e internacionais. [24], [25], [23], [22] [7]. Mas se é verdade que o Brasil melhorou, também é verdade que pode melhorar mais ainda. E para melhorar cada vez mais é essencial a constante revisão de conjuntura, atualização de conceitos e, sobretudo, readequação de suas políticas públicas. Não menos importante é centrar o Estado emergente e em pleno processo de consolidação democrática na responsabilidade para com seus cidadãos e na perpetuação de uma relação de equilíbrio com outras nações.

É nesse contexto que o presente texto – apesar das palavras duras e divergentes do elogio quase bajulador que assolam a imprensa quando trata do Brasil, – expõe aspectos entendidos como críticos e dignos de reflexão. A pouca profundidade na análise que extrapola o alcance ousado do autor e os propósitos do texto, não minimizam o potencial construtivo do debate, que deixa margem para ampliação tanto do ponto de vista estritamente da análise econômica, quanto do ponto de vista da análise social e filosófica. Se sob a ótica aqui apresentada o Brasil não está tão bem na foto quanto se propaga, é justamente a veia otimista do Brasil que deve fazer ver tal constatação como um alerta e motivo de rever políticas públicas, do que como um rogar praga pessimista. Afinal, o fato é que em termos relativos o crescimento econômico do Brasil não se mostra tão satisfatório, mesmo que em termos absolutos o Brasil constitui indubitavelmente, em sendo o maior mercado consumidor da América Latina, um mercado consumidor interno atraente.

Apesar da amplitude do estudo que pode vir a ser desenvolvido a partir dos elementos que são mencionados ao longo do texto, o objetivo aqui se restringe a demonstrar o porquê não se justifica tanta euforia da imprensa em torno do momento econômico brasileiro. Ao fazê-lo, dá margens para que o crescimento econômico do Brasil possa ser problematizado enquanto instrumento para viabilizar o desenvolvimento no sentido de avanço da sociedade. O empenho no objetivo aqui proposto foi feito a partir da apresentação de índices da economia coletados de bancos de dados online de instituições nacionais e internacionais de confiabilidade garantida, com o intuito de situar o crescimento econômico do Brasil no contexto da América Latina. A essa análise elementar foram feitas inferências que buscaram esclarecer o porquê, a despeito do deslumbramento com a economia do Brasil, há motivos de preocupação com os rumos que vem tomando o crescimento do país. Ou seja, busca uma compreensão, e não uma explicação. Nesse sentido, a abordagem dada ao tema difere decisivamente de outras abordagens visto que exige a formulação de juízos inserindo-a no âmbito normativo, ou seja, dos valores. Diferentemente de outras abordagens principalmente da economia strictu sensu, onde se busca explicação dos fenômenos que envolvem o desenvolvimento e o crescimento econômico, aqui se busca apenas a compreensão dos fatos averiguados. Entenda-se: apesar do texto envolver elementos centrais da economia, não trata do assunto sob o ponto de vista desta, mas sob o ponto de vista ético-social. O pressuposto de que o valor fundamental da atividade econômica é o valor do útil, reconhece-o não apenas como valor subordinado a outros valores, mas como instrumento para a viabilização de interesses vitais – interesses vitais na concepção contemporânea do termo –, indagação que também interessa à filosofia econômica. São indagações que permeiam tanto a ética social quanto a filosofia econômica e a filosofia política, e que estão presentes em obras consagradas da economia política brasileira [11]. Assim sendo o presente artigo não traz indagação inovadora ao afirmar a discrepância entre a realidade social brasileira e a atual empolgação com a condução da economia, ou ao procurar explicitar tal discrepância para favorecer a compreensão. O pensamento da economia política é consagradamente interdisciplinar e sensível ao seu longo alcance, mesmo que a política econômica – pelas limitações que lhes são inerentes, – na maioria das vezes pareça estar longe de um empenho nesse amplo alcance. É por isso que, dadas as óbvias limitações de objetivo e metodológicas do estudo, seria recomendável a ampliação das proposições ora levantadas. Ampliações que cabem tanto no âmbito estritamente da economia, quanto das ciências políticas, da sociologia ou da filosofia, mas que indiscutivelmente pedem uma abordagem interdisciplinar.

[...]

Final del extracto de 30 páginas

Detalles

Título
O Brasil decolou?
Autor
Año
2009
Páginas
30
No. de catálogo
V143887
ISBN (Ebook)
9783640540211
ISBN (Libro)
9783640540242
Tamaño de fichero
556 KB
Idioma
Portugués
Notas
Palabras clave
Brazil, emerging countries, political economy, developing and advanced country conception, ethics in economics, Brasil, países emergentes, economia política, distinção conceitual entre de desenvolvimento e avanço
Citar trabajo
Dr. med. Leidimar Pereira Murr (Autor), 2009, O Brasil decolou?, Múnich, GRIN Verlag, https://www.grin.com/document/143887

Comentarios

  • Roland Mathys el 23/2/2010

    Gostei das primeiras 6 páginas, porque o artigo não está disponível inteiro gratuito

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